domingo, 23 de novembro de 2008

Um poema do livro O Menos Vendido, de Ricardo Silvestrin (Nankin Editorial, São Paulo, 2006)

O HOMEM DAS CAVERNAS

o homem
das cavernas
também sentava
na pedra
olhando pra lua
como você
na esquina
da sua rua
de estrela
em estrela
seus olhos
vagavam
achando
curioso
hostil
bonito
foi assim
que encontrou
dentro de si
o infinito

e do infinito
nasceu o alfabeto
as letras estrelas
na cabeça
tecê-las
em tramas
de palavras
e frases
constelação
de pensamentos
que se fazem
e desfazem
a cada momento
jogo de lego
que logo
vira logos

e do logos
fez-se
um novo mundo
habitado
só pelo homem
cada coisa
com seu nome
a seiva
a selva
o sêmen
tudo mantido
a uma palavra
de distância
quem quiser
falar com o homem
que se apresente
será assim
daqui pra frente
o que não puder
ser nomeado
ficará de lado
esperando
a sua hora
desde o início
até agora

e agora
me dou conta
de quanta coisa
não tem nome
desde que o homem
é homem
essa coisa
que se sente
quando morre
o pai da gente
por mais que se tente
não tem nome que nomeie
é algo lá no meio
entre a palavra
e o sentimento
buraco negro
onde todo o universo
se consome
não há remendo
uma colcha
de estrelinhas
nem palavra
nem frase
entrelinhas

e entrelinhas
há o branco da página
lugar onde repousa
o sentido sem sentido
aquele que veio
antes de tudo
mudo
no meio do mundo
imune a palavras
impenetrável ao pensamento
feito da mesma matéria
com que é feito
o silêncio

e o silêncio
é o companheiro
do homem
seu fiel confidente
escuta suas dores
seus projetos
é para ele
que o homem
fala
e fala
tudo o que sente
o silêncio cala
e consente

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